quinta-feira, 30 de junho de 2011

(pag 43)

Como já disse anteriormente, não creio em Deus, mas também não duvido, afinal de vez em quando Ele nos prega uma peça dessas...

Doze horas depois do carro vendido, estou de malas feitas no aeroporto de Orlando.

Comprei a passagem com destino a Johannesburgo, embarcando em Orlando, fazendo escalas em Washington e oito horas de espera em Doha, no Qatar.

Total: 37 horas ate Johannesburgo, sendo que de la ainda seguiria para Cidade do Cabo.

Tudo em nome da aventura e obviamente, economia.

Na hora de fazer o check-in vem o ultimo susto americano.

A funcionaria da empresa aérea me alerta que pelo fato de eu ficar oito horas em solo no Qatar eu teria que ter visto de permanência naquele pais, mesmo que não saísse do aeroporto.

Anteriormente eu havia me informado que não era necessário visto de brasileiros para o Qatar quando em transito, ou seja, somente escala.

Mas a funcionaria era incisiva, dizia-me que eu corria o risco de ser extraditado caso as autoridades quisessem.

Vai ser um loteria, dizia ela.

De um minuto para outro me bateu um medo surreal.

Imagine eu, sem dinheiro, mal falando inglês, com o visto americano vencendo no dia seguinte...enfim, mais uma vez era hora de arriscar e correr o risco.

Logo apos realizar o check-in, Mauricio me chama de canto e fala uma grande verdade:

Todo americano tem medo de situações ligadas a visto e diplomacia porque eles próprios fazem isso com imigrantes de outros países. A burocracia para se pisar em solo americano e tao grande que, pela lei (informal) de reciprocidade, todo americano corre o risco de ser extraditado caso não tenha todos os documentos em mãos na chegada a qualquer pais. Principalmente os da região do Oriente Médio.

Apos essa conversa me tranquilizei lembrando das informações que havia colhido a respeito do Qatar.

Sabia que a chance de extradição era risória, porem não iria correr um risco maior saindo do aeroporto para conhecer a cidade nas oito horas em que ficaria em solo.

Mas confesso que antes do susto cheguei cogitar um passeio por Doha.

Portão de embarque numero 83, destino: Africa do Sul.

Aqui vou eu...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

(pag 42)

Depois de dois dias dirigindo copiosamente, parando apenas para descansar o minimo possível, estaciono para passar mais uma noite numa rest area.

Decidi relaxar um pouco a mente e assisti um filme que muitos estavam comentando: Avatar.

Independente do filme ser bom ou não, ser clichê ou não, ser bem feito ou não, me peguei estritamente a mensagem.

Eh claro que não era nada inédito, porem o filme me caiu como uma luva, parecia que a cada dia eu conseguia entender ainda mais a mente do ser humano e tendo consequentemente mais vergonha de ser mais um da especie.

Mais uma vez chorei, mas dessa vez chorei de vergonha pois sabia que, obviamente de uma forma menos hollywoodiana, a raça humana estava realmente caminhando naquela direção.

A cada dia os olhares se fixam cada vez mais no horizonte do status e poder, deixando de lado as relações humanas.

Um dos motivos pelo qual optei em sair do Brasil foi justamente esse: não conseguia viver somente o universo do meu umbigo.

Nao me confortava ter um trabalho relativamente bom, uma renda relativamente boa, morar relativamente bem, sendo que todos os dias eu me deparava com pessoas que não tinham sequer o que comer ou um teto para morar.

Fui dormir com o sentimento ruim de não poder mudar nada a minha volta.

Acordei e segui viagem.

Ao final do terceiro dia entro no estado da Florida.
Uma sensação estranha me toma o corpo e a mente.

Era de como se estivesse voltando para a casa depois de uma guerra.

Mas como, se não estava nem voltando para a minha casa e tao menos saindo de uma guerra?

– Estranho mas muito real. Um nítido bem-estar. Um enorme conforto.

Cheguei a casa do meu amigo Mauricio, em Orlando, onde tudo começou.

Descansei o corpo e a alma.

Estranho mas era como se realmente estivesse tido em uma guerra.
De certa forma ate tenha sido uma guerra. Algumas vezes contra o stress da LA, outras contra o frio do Grand Canyon, outras simplesmente uma guerra pela vida. Pela MINHA vida.

Mas só o fato de rever pessoas que você gosta, e que gostam de você, eh fortalecedor.

Os verdadeiros amigos são os pilares do meu caminho. Sao como fontes de energia inesgotável para mim.

Pessoas que por mais distantes fisicamente que pareçam, mais perto estao.

No dia seguinte era aniversario do meu grande amigo Mauricio. Ate por isso fiz um esforço extra a ponto de chegar a tempo.

E nada como uma reunião entre amigos para ficar novo em folha.
Reunimos todos na casa dele para um almoço.

Novamente revi Sarah, a americana que apesar da distancia e de pouco me conhecer, me deu muita força nas horas que eu me senti mais sozinho. Muitas noites passamos horas conversando ao telefone e ela pacientemente tentando entender o meu inglês de Tarzan.

Fiz questão de reencontra-la para agradecer pessoalmente o que ela tinha feito a distancia.

Creio que muitas vezes uma unica palavra de uma mulher conforta muito mais do que um longo discurso de um homem.

Os planos para a Africa do Sul já estavam traçados.

O dia do embarque chegava e eu precisava urgentemente vender o meu carro para ter pelo menos algum dinheiro em mãos na chegada ao outro continente.

O carro já estava anunciado ha meses e nenhum comprador em potencial aparecia. Somente especulações via e-mail. Nada concreto.

Estranhamente uma certeza me vinha a mente dizendo que não precisava me preocupar com isso.

E foi o que fiz. Apenas procurei descansar e curtir meus amigos.

So continuava postando anúncios na internet esperando pelo comprador.

Ate que no domingo, poucas horas antes de embarcar para a Africa do Sul, ele chega.

Um senhor simples, acompanhado de sua esposa e um filho deficiente físico.

Ele olha o carro somente superficialmente e faz uma contra-proposta, não muito indecorosa.

A minha contra-oferta foi um meio-termo do que eu pedi inicialmente e o que ele ofertou.

Negocio fechado!

O senhor saca do bolso um mil e quatrocentos dólares em dinheiro, ate mesmo notas de cinco e um dólar aparecem no montante.

Eu assino os papeis e entrego as chaves.


Dez minutos depois do senhor olhar o carro, la estava ele com as chaves e documentos na mão me dando adeus e boa viagem.

Nunca vi alguém comprar ou vender um carro tao rápido.

Se realmente Deus existe, dessa vez ele jogou no meu time...e marcou um golaço....

segunda-feira, 27 de junho de 2011

(pag 41)

Nao creio, mas também não duvido da existência divina, e talvez tenha sido isso o que me deu mais vontade de vencer tudo.

Vencer todo tipo de possível conspiração contra meus objetivos.

Se realmente esse Deus existe, ele com certeza não estava jogando no meu time, que seja então, pois agora ele tinha um adversário capaz de fazer tudo para derrota-lo.

Depois de horas chorando sentado no chão num canto de uma oficina mecânica, de repente me senti como uma mola que chegava ao fim do seu curso.

Somei a raiva da resposta divina nunca vinda, a necessidade de sobrevivência e a obcessao pela vitoria, e isso tudo me deu ainda mais forca para vencer todos os obstáculos. Sem nem mesmo ter certeza se o conseguiria.

Mas eu tinha que ser forte, afinal agora tinha que provar para esse Deus invisível que eu era mais forte que ele. Que mesmo ele jogando contra, eu poderia vencer. E essa não era a hora de desistir. Nao assim. Nao em Los Angeles.

No dia seguinte acordei ainda mais cedo e comecei a voltar nos clientes antigos, aqueles que já conheciam o meu serviço, afim de pelo menos ter algum dinheiro para pelo menos ter o que comer.

E assim seguiu-se pelos últimos dias que me restavam em LA.

Com muito mais suor do que sorte, consegui juntar em poucos dias o que demoraria muito mais de uma semana conseguir, aproximadamente trezentos dólares.

Isso era o suficiente para o combustível da volta.

Hora de sair daquele lugar que mais parecia um câncer sugando todas as minhas energias e prazer de viver.

Foi depois de limpar uma loja e somar o dinheiro que decidi pegar estrada sem nem mesmo tomar um banho depois de um exaustivo dia de trabalho pesado.

Nao poderia ser no dia seguinte, tinha que ser naquela hora, naquele minuto, naquele segundo.

Eram cinco horas da tarde quando coloquei no GPS o caminho de volta a Orlando. Quase três mil milhas de distancia. Mas que para mim não importava. Era como se voltasse ao paraíso.

O transito era infernal. Talvez o pior em todo o tempo em que morei em LA.
Talvez fosse meu inimigo jogando contra. Mas para mim não tinha problema, eu ia persistir.

Horas e mais horas para conseguir me ver livre daquela cidade que impregnava nas minhas entranhas.

Talvez tenha sido o único dia em que o transito não tenha me deixado tao mal. O alivio de estar saindo daquele mundo era maior do que as horas perdidas preso no transito.

Naquele dia, mesmo com o corpo cansado do trabalho, dirigi por horas e horas.
Mais precisamente por dez horas seguidas.

Tudo para poder descer do carro, olhar para trás e sequer ver algum indicio daquela cidade.

Naquela mesma noite cheguei a Phoenix e isso me deu ainda mais forca de seguir adiante sem parar.

Phoenix funcionou como um carregador para mim. Passei pela cidade e senti as boas vibrações. Isso foi decisivo.

Depois de Phoenix ainda dirigi por algumas horas ate uma cidade já no estado do Novo México.

Ja na mais completa exaustão, aproximadamente as três horas da manha, paro o carro mais uma vez no estacionamento de um Wall Mart.

A facilidade de encontrar essa rede de lojas já por si só fazia a minha felicidade.

Incrível como quando não se tem nada, qualquer coisa te faz feliz.

Creio que um dos grandes defeitos do ser humano eh realmente não dar valor as pequenas coisas. Mesmo que essas coisas são as que realmente nos trazem a felicidade. O real e devido valor só eh dado quando as perdemos, e algumas vezes isso pode ser tarde demais.

Outras vezes esquecemos de ficar feliz por pouco, precisamos cada vez mais. Necessitamos ter mais do que o outro. A eterna guerra do consumo capitalista. Nao nos damos conta de que: quem tem tudo, eh quem tem tudo a perder.

Esquecemos o valor de um simples banho quente depois do trabalho, de uma cama gostosa para deitar, de um prato de comidinha caseira, de pisar com os pés descansos na grama molhada ou simplesmente de um único e gratuito abraco.

A cada dia o mundo se torna mais rápido e dinâmico.
E tudo o que esta a nossa volta se turva e desfigura como uma visão da janela de um trem bala.

(pag 40)

Como a essa altura eu já tinha certeza que o problema era somente a bomba d'água, resolvi arriscar, comprei somente a peça e no pior das hipóteses também comprava um punhado de ferramentas e eu mesmo iria tentar trocar.

Porem, toda loja de pecas de carro que se preze tem sempre um mecânico entrando ou saindo. E essa seria a melhor oportunidade de conseguir um preço mais justo, afinal eu já conhecia o problema, já estava com a peca comprada nas mãos, faltava apenas negociar a mão-de obra, mas era justamente essa a pior coisa a se negociar nos EUA.

Cheguei ao primeiro homem com mãos sujas de graxa, obviamente um mexicano, e perguntei quanto ele cobrava para deixar novamente o carro em ordem.

O homem olhou-me fixamente por alguns segundos e sem nenhum pudor disse um previsivel preço exorbitante. Obviamente não aceito por mim. Ate mesmo porque não tinha todo o dinheiro.

Com a mesma cara de despudor, olhei-o nos olhos e perguntei quanto ele cobrava para me emprestar as ferramentas para eu mesmo fazer o conserto (mas confesso que sem ao menos fazer ideia de como eu o faria).

Se num jogo de poker um bom blefe eh decisivo, no jogo da vida as vezes blefar faz parte da sobrevivência.

O homem mudou de feição e baixou para um terço do montante inicial, afinal ele imaginou que eu pudesse fazer o serviço, e caso ele não baixasse o preço, eu mesmo faria e ele perderia o cliente.

Mais importante do que saber blefar eh saber a hora de aceitar uma contra-proposta, e alias a dele obviamente foi aceita.

Apesar da proposta aceita eu sabia que o preço final era exatamente tudo o que eu tinha no bolso.

E esse "tudo" não e força de expressão, eram simplesmente todas as notas verdes que eu tinha na carteira.

Com o conserto já sendo realizado, tentei mais uma vez negociar pelo menos vinte dólares a menos, afim de ter o que comer naquele dia.

Quando me dei conta disso, me senti totalmente fragilizado e não conseguia pensar em nenhuma boa desculpa para fazer o duro mecânico acreditar em mim.

Nessas horas a melhor coisa a se fazer eh contar a verdade, mesmo que essa verdade pareça totalmente descabida, afinal, quem iria acreditar num brasileiro que estava cruzando os EUA de leste a oeste, sem nenhum dinheiro no bolso, dormindo no carro, lavador de janelas e que sequer tinha um cartão de credito nas mãos?

- Claro que não foi um mecânico mexicano que acreditou.

Sem nenhum aparente peso na consciência, afinal ele não acreditava em mim, o máximo que baixou foi exatamente os vinte dólares que eu mencionei, mas claro, com uma contra-proposta.

Ele queria ficar com a camisa do Brasil que eu estava usando.

Sem o minimo de orgulho, tirei a minha camisa e peguei os vinte dólares para pelo menos ter o que comer.

Nunca pensei em um dia passar por isso, ter que vender minha própria roupa do corpo para ter o que comer, ainda mais sendo ela a camisa da seleção do meu pais.

Soava-me como ironia do destino sair do meu pais para passar por isso.

Mas o medo de passar fome, longe não somente da família mas como de qualquer pessoa que você possa contar, eh maior do que qualquer tipo de orgulho ou amor próprio.

Nesse momento senti todo o peso do mundo sob os meus ombros.

Procurei um canto mais escondido, sentei e chorei.

Chorei compulsivamente como nunca havia chorado na minha vida.

Chorei perguntando a esse possível Deus o porque daquilo tudo.

Chorei procurando por uma simples resposta para a mais simples das perguntas: Por que?

Era errado apostar num sonho?

O que eu tinha feito de tao ruim para ter que passar por aquilo?

- Obviamente a resposta nunca veio...chorei sozinho.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

(pag 39)

A essa altura decidi mergulhar ainda mais de cabeça no trabalho afim de juntar o máximo de dinheiro possível e ficar o minimo de tempo possível em Los Angeles.

Foram semanas trabalhando de segunda a segunda, sem folga.

O dinheiro começava a aparecer novamente e isso motivava cada vez mais a continuar trabalhando para que conseguisse enfim fugir de LA.

Uma semana antes de partir de volta para Florida, estava chegando e um dos clientes quando estaciono o carro e noto que o fluido de arrefecimento do motor estava vazando.

Para quem não sabe, esse fluido eh aquele liquido colorido, ou as vezes somente água mesmo, que serve para manter baixa a temperatura do motor. Uma vez que você o perde, o motor pode ate mesmo fundir, dependendo da temperatura que atingir.

Alias o liquido não estava vazando, era quase que uma imensa e triste cachoeira.

Para quem conhece um pouco de carro já sabe o que estava acontecendo, para os que não, eu relato, era a bomba d'água.

Quando esta atinge a sua vida útil ou não circula mais a água dentro do motor, o que leva ao super-aquecimento, ou começa a vazar, o que era o meu caso.

Nessa hora já lamentava (mais uma vez) a inesperada despesa extra.

Limpei a vitrine praticamente só pensando no imenso montante que iria gastar depois.


Ao final do trabalho plotei no GPS a oficina mais próxima, afinal sem muita água no radiador, eu não poderia rodar muito tempo para não correr o risco de super-aquecimento e com isso perder também o motor do carro.

Por sorte a oficina ficava a poucos metros de onde eu estava.

Chegar a uma oficina com o carro vazando água não eh das melhores coisas a se fazer, afinal o mecânico eh quem passa a dar as cartas pois ele sabe que você não tem muitas opções de escolha.

E eh claro que foi o que aconteceu.

Depois de uma breve analise, ele lança sem nenhum pudor um valor estratosférico para consertar o problema.

Algo como seiscentos dólares!!!
Dinheiro que obviamente eu não tinha.

Ate ai como eu não fazia ideia de quanto seria, e considerando que a mão-de-obra nos EUA eh cara, eu poderia ter caído no conto do vigário.

O erro dele foi ter dito que teria que trocar, alem obviamente da bomba d'água, uma porção de outras pecas. Pecas a qual eu tinha trocado na revisão poucos meses atras.

Nessa hora percebi que estava sendo passado para trás.

Em silencio entrei no carro, abri o porta-luvas e peguei um punhado de recibos.
A essa altura o mecânico já estava anotando os dados do carro.

Coloquei todos os recibos no capo do carro e, um-a-um, fui mostrando a ele que eu havia acabado de trocar tais pecas (que ele queria trocar novamente). Ele ficou pálido.

Somente finalizei dizendo que mesmo o carro já estando quebrado e mesmo não dominando o idioma dele, eu não era um completo idiota para cair numa cilada dessas.

Mais um vez em silencio, entrei no carro e fui embora.

Novamente o GPS foi a salvação.

Procurei a mais próxima de uma famosa rede de lojas de pecas de carro nos EUA.

Por sorte, ficava a poucos quarteirões.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

(pag 38)

Depois de todos os planos traçados novamente, hora de cair no trabalho.

E foi o que fiz.
Durante dias acelerei o ritmo de trabalho e o dinheiro foi aparecendo.


Certo dia, como fazia de costume, estava numa livraria que tinha internet gratuita checando meus e-mails no meu laptop. De repente começaram a pular dezenas de avisos de invasão de vírus. Estava sofrendo o primeiro ataque hacker da minha vida.

Tentei deletar o máximo que consegui mas não foi possível deter todos eles. Esses anti-vírus gratuitos para mim não passam de marketing. Sao todos ineficientes.

O computador foi contaminado e depois disso nunca mais ligou.

A unica saída seria leva-lo para assistência técnica.

Qualquer serviço de mão de obra nos EUA custa caro, seja o que for, eh muito caro!

Muitas vezes eh comum americanos jogarem aparelhos eletrônicos no lixo e comprarem um novo do que mandarem consertar. Geralmente a diferença entre o valor do conserto e um produto novo eh pequena, isso quando o conserto não custa ate mais caro.

Quando levei na loja de assistência técnica de computadores, não foi diferente.

O valor para exorcizar todos os vírus era de duzentos dólares.

Muito bem, o valor do computador era pouco mais de trezentos, ou seja, seria melhor comprar um novo do que ter de pagar duzentos, alem de depois ainda ficar com um computador capenga.

O Tio Sam adora o consumo desenfreado, especialmente em períodos de crise.

Nao contente em pagar todo esse valor, ate porque eu não o tinha, decidi procurar outro lugar.

Nessa hora os mexicanos são imbatíveis.

Tudo o que um americano faz, um mexicano faz pela metade ou ate mesmo 1/3 do valor.
Algumas vezes ate com a mesma qualidade no serviço.

Encontrei um cabron que fazia o exorcismo no meu laptop por sessenta dólares.

Que assim seja. Nao tenho nada a perder mesmo.

No bolso tinha pouco mais da quantia que o mexicano estava cobrando, era toda a minha economia.

Nessa hora lembrei do fatídico dente de ouro do reveillon. Aquele que mordeu o braco da Mariana.

Sera que seria ele que iria me salvar a essa altura?


Levei em uma loja de compra/venda de ouro e o vendi por doze dólares.

O suficiente para comer alguma coisa no dia seguinte, visto que ha uma semana não parava de chover e o pouco dinheiro que eu havia juntado descia pelos ralos juntamente com a água da chuva.

No dia seguinte o computador estava pronto. Porem junto com os vírus, foram-se também todas as minhas fotos, musicas e tudo mais que eu tinha no computador. Soh não perdi todas as fotos da viagem porque frequentemente as estava postando na internet. Mas muito da minha historia se perdeu. Inclusive trechos desse livro.

Mas se antes eu tinha um laptop de terceira geração, agora ele tinha regredido pelo menos uma.

Com sorte, dois dias depois a chuva parou e pude voltar a trabalhar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

(pag 37)

Tudo havia sido apagado de nossas memorias, e juntamente com a nossa memoria, foi também a maquina fotográfica de Cinthia.

Nao lembrávamos se tinha ficado com alguém, se ficado no albergue ou simplesmente caído no chão.

Péssima derrota para o dia seguinte afinal não só pelo custo da maquina, mas também por ter perdido todas as fotos da noite (o que ajudaria a contar para nos mesmo como tinha sido), e principalmente as fotos de toda a viagem de ferias que elas estavam fazendo através da Califórnia.

Ao nos dar conta de toda a situação, vimos que o que tínhamos passado fazia alusão exatamente a um filme que tinha acabado de ser lançado na época: Se Beber Nao Case, titulo original The Hangover.

Eramos três amigos que tinham bebido muito, não lembravam de nada o que tinha acontecido na noite anterior e alem de tudo tínhamos deixado alguém para trás sem notar. No nosso caso a maquina fotográfica.

Na manha do dia seguinte só restava a dor de cabeça da ressaca...e um dente de ouro.

Ficamos em San Diego ate dia três de janeiro.

Nesse período tentei fazer alguns trabalhos limpando janelas porem sem sucesso.

San Diego e uma cidade fantástica.
Ao contrario de Los Angeles, a vida parece seguir tranquila e pacata.


Mas era hora de voltar a realidade e acabar a pequena semana de ferias.

Mais uma vez teria que voltar para Los Angeles.

Deixei Cinthia e Mariana no aeroporto de San Diego e segui direto para Los Angeles.

No dia seguinte já estava de volta a velha rotina de limpar vitrines.


A cada dia que passava me estressava cada vez mais na cidade.

O transito me sufocava, as pessoas pareciam que estavam todas a ponto de explodir. E realmente estavam.

Certo dia, já na fila do supermercado, viro para o lado para ler uma revista e noto que um homem passa por trás de mim tomando a minha frente na fila.

Sem entender muito, chamo o homem e digo que eu estou na fila.

O mesmo, aos berros diz que não, que eu estava lendo e por isso ele passou.

Como não gosto de discussões achei melhor deixar o mal educado passar e mudei para a fila ao lado, visto que ele estava com uma cesta repleta de itens e eu apenas um pão.

Para minha surpresa o homem não parava de reclamar de mim. Como se eu fosse o errado.

O sangue subiu e comecei a disparar meu vasto vocabulário de palavrões em inglês, afinal palavrões são sempre as primeiras palavras que a gente aprende em outro idioma.

Mutias vezes não e nem preciso ser fluente pra mandar certas pessoas a certos lugares.

Quando me vi, estava aos berros, tomado pela fúria, querendo agredir um homem mal educado que furou a fila de um supermercado.

E isso tudo, as nove horas da manha.

Mais uma vez vi que realmente Los Angeles não era o meu lugar.
Nao queria aquele tipo de vida para mim.

Quando sai do Brasil para dar incio a toda essa viagem, foi para realizar um sonho, não para viver sob estresse.

Depois que sai do Brasil, não tenho mais o conceito de trabalhar a duras penas para enriquecer. Nao quero pagar o alto preço do sucesso. Mudei meu conceito de vida, meus objetivos e valores. Hoje creio que sou uma pessoa muito menos apegada as coisas materiais do que era quando vivia a minha doce rotina no Brasil. Percebi que era possível ser feliz, mesmo sem ter tudo, ou ate mesmo quase nada.

Sei que isso para uns, soa como loucura, insanidade. Porem para mim ajudou no meu crescimento e desenvolvimento pessoal. Cresci espiritualmente. Mudei a forma de ver a vida. De julgar certas coisas.

Se hoje estou melhor ou pior, isso depende do prisma de quem julga. O importante era que eu estava bem comigo mesmo e que Los Angeles vinha na direção contraria de tudo o que eu tinha traçado para minha nova vida.

Voltei ao carro e repensei os planos.

Decidi ficar em LA e fazer a maior quantidade de dinheiro possível, trabalhar freneticamente. Usar a cidade assim como ela estava me usando.

Depois disso voltar para Orlando uma semana antes do meu voo para a Africa e descansar la.

Afinal de contas Los Angeles e descanso são duas palavras que não combinam.

terça-feira, 21 de junho de 2011

(pag 36)

Ao analisar melhor, vejo que não eh um simples dente, eh um dente de ouro!
Alem do que também não eh um simples dente de trás, eh um dos dentes da frente.

Ficamos mais alguns minutos rindo e imaginando como uma pessoa poderia ter perdido um dente e como ela teria ido embora sem o dente da frente. Bem o centro-avante!

Enrolei-o num papel, guardei no bolso e descemos para a festa que estava acontecendo no próprio albergue.

A essa altura todos na festa ja estavam com um certo teor de álcool no sangue, menos nos três que estávamos apenas com o dente.

Temos que entrar no ritmo de todos.

Apos algumas cervejas ja estamos todos no mesmo pique.

Faco amizade com um indiano que mal fala inglês, assim como eu.

Ele puxa umas das minhas amigas de canto e pede para ela contar quantas pessoas ha na festa do albergue aquela hora.

Ela, ja não estando nas melhores das suas condições conta trinta e duas pessoas. Provavelmente tinha metade.


Ele chega no barman e sussurra alguma coisa.

O barman que a essa altura também ja estava bêbado, saca uma garrafa de tequila e uns quarenta copinhos de shot.

Nessa hora eu tenho certeza que aquela seria uma noite inesquecível.

Minutos se vão ate o alcoolizado barman conseguir encher os aproximadamente quarenta copos.

Ja passa da meia-noite. Eh Ano Novo!

Restam pouco mais de dez pessoas na festa para encarar o desafio dos quarenta shots de tequila.

Brindamos e começamos.

Na primeira rodada todos da festa aceitaram beber uma dose.
Obviamente ainda restavam outros trinta shots. Na segunda rodada, somente metade das pessoas beberam. No final soh restavam eu, minhas amigas e o indiano...

Eu particularmente parei de contar no sétimo shot.

O indiano, ja tomado de alegria me puxa e me mostra na janela um grupo de Hare Krishnas cantando e fazendo batucada na porta do albergue.

Eu arrasto todos os sobreviventes para rua.

Nos juntamos aos Hare Krishnas.

Enquanto Mariana toma os tambores das mãos deles para tocar, Cinthia convida todos os que passam na rua para juntar-se a roda que não para de crescer.

Os Hare Krishnas adoram, ou pelo menos parecem gostar da festa.

Sem saber muito (ou quase nada) da letra da musica, Mariana entoava a cancão: Hare Christimas, Hare Christimas, Christimas, Christimas, happy holidays.

Digamos que era uma versão americanizada da canção Hare Krishna.

Ficamos horas e mais horas na rua cantando e dançando.

A noite acaba com todos bêbados, exaustos, porem felizes.

Na manha seguinte eu chego ao albergue para tentar junto com elas tentar lembrar de alguma coisa da noite anterior.

Sem sucesso.

domingo, 19 de junho de 2011

(pag 35)

Capt. VII
De Volta a Los Angeles

Chego a Los Angeles no meio da tarde do dia vinte e cinco de dezembro, a cidade pela primeira vez esta deserta.

Nos EUA não eh muito comum comemorar o Natal. Eh quase como um feriado normal.
O dia de Ação de Graças eh muito mais importante para eles.

No dia seguinte já começo a luta novamente para fazer dinheiro, porem esse período entre Natal e Ano Novo eh um tanto quanto difícil para trabalhos autônomos.

Para mudar um pouco a rotina, duas amigas brasileiras que não via ha muito tempo e que moram em Nova Iorque chegam a L.A para passar as ferias.

A ideia delas e ficar quatro dias em Los Angeles e no dia trinta e um seguir para San Diego para passar o reveillon la.

Como todo bom brasileiro, elas deixaram para a ultima hora e no final descobrem que não tem mais passagens de avião, trem ou ônibus para San Diego.
Cinthia e Mariana me ligam desesperadas contando a trágica informação.

Obviamente eu me ofereço para leva-las já que meu espirito aventureiro não para quieto. Alem do que tinha planos de também conhecer San Diego, bora unir o útil ao agradável.

Somente saliento que uma terá que ir deitada na minha cama e outra no banco dianteiro na posição mais pra frente possível, visto que atras do mesmo fica o meu guarda-roupas-gaveteiro, com isso não sobra espaço para afastar o banco um pouco mais para trás; alem da geladeira térmica que eu usava para conservar as coisas perecíveis.

A duas aceitam de primeira.

Dia trinta e um de dezembro, oito horas da noite entramos no carro para San Diego.

Assim que saímos da cidade levantei a ideia de irmos para Las Vegas, afinal creio que o reveillon na Disney para adultos deve ser um tanto quanto divertido.

Ideia prontamente aceita pelas duas amigas tao loucas quanto quem vos escreve.

Coloquei no GPS o novo rumo para Las Vegas e seguimos caminho.

Certo ponto da estrada, noto que eh possível avistar o mar, coisa que seria impossível no caminho para Las Vegas, afinal Vegas fica no meio do deserto.

Ao checar o GPS com mais calma vejo que o mesmo nos manda realmente para Las Vegas, porem uma Las Vegas apos a fronteira com o México.

Alguém no mundo sabia que existe uma Las Vegas mexicana?

Bom, pelo menos eu não sabia.
E muito menos Cinthia e Mariana.

Ainda tentamos colocar a Las Vegas original no GPS, porem o horário previsto de chegada seria de aproximadamente duas horas da manha, ou seja, muito depois da festa.

Decidimos seguir para San Diego mesmo, afinal era a estrada que já estávamos.

Depois de alguns minutos de euforia com a provável ida para Vegas veio alguns minutos de decepção exatamente por perdermos a chance de ir para Vegas.
Porem isso foi logo superado, afinal era nosso plano inicial a ida para San Diego.


Chegamos no albergue onze horas da noite. Tempo suficiente somente para descarregar as bagagens no quarto e partir para a festa.

Subimos com as malas e Mariana senta-se na cama para trocar de sapatos.
Quando ela se levanta eu e Cinthia notamos alguma coisa grudada em seu braco.

Ela, ainda sem saber do que se tratava, pega o objeto na mão e no mesmo milésimo de segundo joga-o longe soltando um estrondoso grito: QUE NOJO EH UM DENTE!!!

Eu e Cinthia não conseguimos nos manter em pé, caímos no chão rolando de rir.

Mariana desesperada lava o braço na pia...passa álcool para desinfetar...lenço umedecido...

Enquanto isso eu e Cinthia continuamos a rolar no chão, a essa altura já literalmente chorando de rir da situação...

sábado, 18 de junho de 2011

(pag 34)

Depois de horas questionando os porquês da vida e namorando com a morte, a noite cai e vejo que eh hora de procurar um lugar tranquilo para sentar.

Encontro um pequeno hotel com sinal de internet grátis. Quando entro na recepção noto que no canto do hall de entrada ha uma aconchegante lareira com varias cadeiras e bancos de madeira para as pessoas sentar-se em volta.

Sento-me junto ao fogo para me aquecer e ali permaneço por horas no computador conversando com meus familiares.

Ja passa da meia noite, eh Natal.
Me vejo completamente sozinho no hall do hotel.

Somente um funcionário na recepção para atender os hospedes, que não eu obviamente.
Assim que o movimento já não eh mais intenso passo a ser notado.

Hora de ir para o carro, e a essa altura já considerado um verdadeiro freezer.


A temperatura dentro do carro eh exatamente a mesma do lado de fora.

Coloco todas as roupas possíveis e tento dormir.

O frio eh implacável.

Aos poucos, sem pressa, ele vai tomando conta do meu corpo.

Começando pelos pés, cobertos por três pares de meias e seguindo por todo o corpo.

O rosto começa a sentir os efeitos da baixa temperatura. Os lábios ressecam, o nariz não para de correr coriza, a testa arde e as orelhas…ahhh essas já não sinto ha muito tempo.

Tento cobrir a cabeça.

Por alguns segundos esse prazer eh trocado pelo excesso de gás carbônico emitidos pela minha própria respiração no interior dos dois sacos de dormir.
Contudo, como o gás carbônico eh um estimulante do sistema nervoso, o cérebro não para de processar informações. Trabalha a todo o vapor, o que obviamente me impede de relaxar e dormir.

A luta segue entre as duas opções, cabeça para fora congelando ou coberta sem conseguir dormir.

Mesmo cansado do dia exaustivo, eh impossível dormir.
Apenas leves cochilos de dez a quinze minutos, seguidos de horas acordado.

A noite parece nunca acabar.

Certa hora da noite, quando já estou muito mais cansado do que antes de ter ido deitar, procuro o termômetro dentro do carro para checar a temperatura soh por curiosidade.

Para aumentar a minha já apavorante noite vejo que o termômetro marca três graus fahrenheit.
Tres graus fahrenheit correspondem a apavorantes quinze graus centigrados NEGATIVOS.

Para se ter uma base de comparação, um freezer domestico normalmente trabalha com uma temperatura de cindo graus Celsius negativos. Ou seja, era como se eu estivesse tentando dormir dentro de um freezer três vezes mais potente do que esse que você tem ai na sua casa.

Noto que ao meu lado o galão de vinte litros de aguá, que normalmente eu usava para lavar as janelas, esta totalmente congelado.

Nessa hora tive a certeza de que ali não era o melhor lugar para eu estar dormindo, ou mesmo tentando, principalmente dentro de um carro sem ar condicionado quente.

Finalmente o dia amanhece. A noite parece ter durado pouco mais que a eternidade.

Tento escovar os dentes, sem sucesso, a pasta de dentes também esta congelada.

Ao menos o nascer do sol eh maravilhoso, e assim que o mesmo aponta no horizonte, eu ligo o carro e pego estrada.

Todos os músculos do meu corpo doem, tamanha fora a contração durante a interminável noite.

No caminho de volta, paro no primeiro posto de combustível para abastecer o carro. Aproveito e compro também um copo de chocolate quente para subir a temperatura corporal.
Ele cai feito uma cura, uma salvação.

Aos poucos volto a sentir o meu corpo novamente.


Decido ligar meu computador para ouvir musicas.
Apos inúmeras tentativas sem sucesso de tentar liga-lo, penso na possibilidade da bateria também ter congelado.
Ainda dirigindo, tiro-a e coloco debaixo de uma das pernas durante uns trinta minutos.
Ao colocar de volta, o computador liga na primeira tentativa.

Descubro que baterias também congelam, e que naquela noite a unica coisa que não congelou dentro do carro fui eu mesmo, pelo menos quase…

Talvez dessa ver, sem querer, estive ate muito mais perto da morte.

A medida que vou me afastando do Grand Canyon o sol vai tomando cada vez mais forca e a neve vai desprendendo-se do carro.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

(pag 33)

A estrada parece ser interminável. Ja são mais de quatro horas dirigindo por centenas de milhas num cenário branco e gelado.

Ao se aproximar do Parque do Grand Canyon leio uma placa com os valores para entrada.

Mas como assim, paga-se para ver o Grand Canyon?

– Sim, vinte e cinco dólares por carro.

Ótimo, aquela altura eu, quase sem dinheiro para abastecer o carro teria que pagar para matar uma curiosidade.

Chego a área de pedágio.

O carro da frente passa e chega a minha vez.

Quase com lagrimas nos olhos noto que a cabine esta fechada.

Espero alguns segundos e vejo outra cabine mais a frente. Talvez o cobrador esteja nessa.

Sigo e paro na próxima. Também fechada.

Noto que todos os carros estao como eu, indecisos. Decido passar também. Perfeito!

Nao sei o motivo mas naquele dia, ou naquela hora, não estavam cobrando.

Talvez quem saiba fosse um presente de Natal, visto que era dia vinte e quatro de dezembro. Sendo assim, obrigado pelo presente Papai Noel!

Entro no parque. O cenário eh branco e hostil. Nada nem ninguém nas ruas para sequer pedir alguma informação de onde eu poderia ir para realmente ver a grande fenda.

O jeito eh seguir o instinto. E esse não me deixa na mão.

Chego ao local, estaciono o carro e o queixo cai no chão coberto pela neve.

Realmente eh um cenário deslumbrante. Somente estando la para descrever tamanha beleza.

E uma mistura de forca da natureza com tranquilidade. Completo silencio. O branco da neve se encarrega do tom bucólico.

A tarde cai num maravilhoso por-do-sol. A luz laranja do sol e das rochas do Grand Canyon contrastam com o branco da neve. Magnifico.


Sem dar-me conta, passo horas caminhando na neve na beira do penhasco.

Diversos dias durante a minha viagem pelos EUA me fizeram refletir muito a respeito da vida. Afinal eram dias e mais dias sozinho, sem contato com ninguém, somente pensando.

Pensando não somente na minha vida, mas na vida de uma forma geral, de como o mundo esta caminhando ultimamente. Pensando onde tudo isso vai parar.

Sempre fui muito critico em relação ao comportamento do ser humano, nunca entendi muito bem maldades, injustiças e coisas do gênero.

Também nunca me dei muito bem com a ideia de um Deus. Alguém com tanto poder e ao mesmo tempo tao omisso?

Sem estender a critica para o resto da humanidade, resumo-a apenas a mim:
Sempre, quando não o fiz, ao menos procurei fazer tudo corretamente. Nunca desejei mal ou cultivei inimigos. Mas tudo isso não porque um Deus pudesse me castigar ou coisa do gênero, mas simplesmente por mim. Para eu mesmo me sentir bem.

Sempre senti muito mais orgulho do que fiz pelos outros do que fiz por mim mesmo.

Sempre trabalhei e batalhei sozinho pelos meus sonhos e ideais. Nunca usei ninguém para alcança-los.

Sendo assim, por que eu sofria tantos castigos "divinos"?

Ok, estava realizando um sonho viajando para fora do Brasil, mas era um sonho a duras penas. Um sonho que deixavam cicatrizes e marcas de batalha. Um leão dia-apos-dia.

E cade esse Deus que nunca estava ao meu lado? Era impossível acreditar nele.

Sentei-me por horas e mais horas a beira do Grand Canyon pensando a respeito de tudo isso e tentando encontrar uma resposta...sem sucesso.


Por minutos, pra não dizer por horas, pensei em acabar com a minha viagem pela Terra ali mesmo, afinal alem de tudo, era um cenário maravilhoso.

Precisava acertar as contas com esses tal Deus. Cobrar dele a minha boa passagem na Terra.
Besteira! Esse Deus nao existe.
A verdade mesmo eh que eu estava cansado.

Mas confesso, não tive coragem.

Mas a coragem não foi de fazer, mas sim por não achar justo com as pessoas que me ajudaram e me incentivavam a prosseguir a cada dia. Nao queria decepciona-las. Odeio causar decepção nas pessoas.

Alem do que era véspera de Natal e eu não queria estragar o Natal e reveillon de ninguém, especialmente da minha família.

E esse foi o motivo que eu encontrei para mais uma vez tentar seguir o meu caminho.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

(pag 32)

Como não tinha condições financeiras de me deixar levar por nenhuma extravagancia nos cassinos de Vegas, via a cada dia a situação financeira apertar.

A cada shopping que eu percorria com grande parte de lojas fechadas eu tinha a certeza de que teria que, muito em breve, tomar alguma atitude.

Eu protelava pois sabia que a atitude seria voltar para Los Angeles. Coisa que eu não queria. Por isso tentava fugir dos meus próprios pensamentos, me auto-enganando, achando que uma saída divina iria cair do céu.

Enquanto isso seguia a cada dia mais tentando sempre com mais fervor transformar meus dez dólares em pequenas fortunas nos cassinos.

Creio que nem se estivesse jogando ate hoje teria conseguido novamente.


Capt. VI
Grand Canyon

Certo dia, já próximo a evidente partida, decido conhecer ao menos um dos pontos turísticos próximos a Las Vegas. A represa hidrelétrica Hoover Dam.

Essa represa eh um dos cartões postais construídos pelo homem nos EUA.

Ela fica a cerca de vinte minutos de carro de Las Vegas e provem toda a energia elétrica para a cidade, tarefa difícil, pois como disse, a quantidade de luzes e maquinas de jogos em Vegas eh inacreditável.

Realmente a altura da barragem e de tirar o folego.
São centenas de milhares de toneladas de concreto formando uma enorme parede de se perder de vista.


Chego ainda de manha e permaneço algumas horas apreciando a calma vista do lugar.

Na hora de ir embora consulto o GPS e vejo que o Grand Canyon esta a “poucas” milhas de la.
"Poucas" eu preferi colocar na minha cabeça para tornar o motivo para essa loucura menos insano.

Ok, se eu já estava ali, hora de seguir caminho.

No trajeto, vejo também que a famosa Rota 66 faz parte do cenário ate o Grand Canyon, mais um sonho realizado. Mudo um pouco o percurso e percorro pelo menos algumas milhas da lendária estrada.

Pelo menos por um momento me torno praticamente um easy rider de quatro rodas.


Só não fiz o caminho todo ate o Grand Canyon pois alem de levar mais tempo, a estrada esta um tanto quanto desgastada pelo tempo.

A medida que vou me aproximando de Willians, cidade que da acesso ao parque do Grand Canyon, a paisagem começa a mudar.

Mais uma vez o gelo começa a tomar conta do cenário.

A essa altura o meu desanimo mais uma vez volta a prevalecer, lembrando da noite gelada de Lake Tahoe, porem o fato de conhecer o Grand Canyon e muito maior e me anima a seguir caminho.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

(pag 31)

Nao tenho muito na carteira. Para falar a verdade quase nada.

Tiro dez dólares e prometo a mim mesmo que aquela seria a quantia total que eu iria apostar, ganhando ou perdendo.

Começo pelas caca-níquel, afinal são as mais divertidas e baratas.

Jogo nas maquinas de um centavo para fazer as chances renderem.

Perco cinco dólares num piscar de olhos.

Decido mudar de jogo.

Caminho pelo cassino tentando observar onde as pessoas são mais felizes, afinal ali poderia estar a minha maior chance de ganhar.

Muitos do jogos eu não sei ao menos jogar. São inúmeras opções.

Paro ao lado de uma mesa de roleta. Clássica e simples.

A aposta minima são exatos cinco dólares, o que eu tenho na mão.


A essa altura eu faco uma breve reflexão dos meus últimos dias e creio, para não dizer que tenho certeza, que estou numa mare de azar.

Sendo assim, se tenho que apostar em apenas um numero, evidentemente que esse numero tem que ser o treze.

Entrego meus cinco reais ao crupiê e ponho tudo no treze.

A bolinha gira na roleta a uma velocidade hipnotizante.

Parece nunca mais parar.

Quando decide descer para o centro da roleta o som do "tirintitar" soa como uma trilha sonora de tensão aos ouvidos dos apostadores. Tudo parece estar em câmera lenta.

Somos em seis homens sentados ao redor da mesa e com o olhar fixo em uma pequena bolinha que não para de saltar.

Finalmente depois de pular por todos os números possíveis, ela decide parar.

O crupiê anuncia: preto, treze!

Eu fico alguns segundos sem acreditar que realmente ganhei, afinal nos meus trinta e dois anos eu jamais ganhei sequer uma rifa de escola, bingo ou qualquer que fosse o sorteio que envolvesse algum premio.

Todos os outros jogadores me cumprimentam eufóricos, afinal eu havia acabado de sentar-me a mesa, apostado em um único numero e ganhado.

Enquanto todos me dão os parabéns eu tento fazer uma cara de que isso eh uma coisa corriqueira, porem por dentro eu explodo como a virada de ano em Copacabana.

Definitivamente cassinos são parque de diversão de adultos.

O premio não e muito, cerca de cento e oitenta dólares, mas para quem segundos atras estava com cinco, passa a ser uma pequena fortuna.

Decido apostar os mesmos cinco dólares (da sorte) mais uma vez no numero treze, porem como esse tipo de coisa só deve acontecer comigo de trinta e dois em trinta e dois anos, evidentemente eu não ganho. Talvez com sessenta e quatro eu tente novamente...

Ao invés de ficar e insistir em encontrar mais uma vez a sorte, opto pela garantia de alguns dias a mais de tranquilidade.

Pego a minha pequena fortuna e vou-me embora.

Durante meu período em Las Vegas prometi-me a mim mesmo que ate poderia me dar ao luxo de jogar nos cassinos, porem com o limite diário de dez dólares, seja perdendo ou ganhando.
E foi o que fiz.

Controlei a tentação e durante os quinze dias que fiquei na cidade, nunca gastei mais do que isso.

A vida em Las Vegas eh pura diversão, os próprios americanos dizem que a cidade e o maior parque de diversões para adultos do mundo.

Exageros americanos a parte, a cidade transpira festa e agitação. Nao para dia-e-noite.

E quem não tiver um bom auto-controle, deixa-se levar pelo entusiasmo muito facilmente.

terça-feira, 14 de junho de 2011

(pag 30)

Apos essa luta por um banho e quase desistindo de procurar outros, eis que encontro um RV Park colado a um Cassino.

Como já havia tido sucesso em um RV Park em Phoenix, hora de tentar novamente.

Ao aproximar-me vejo que a recepção estava fechada, porem como não tinha portaria nem vigias fui entrando com meu carro na esperança de encontrar pelo menos uma ducha de piscina, mesmo que fria, ou alguma coisa do gênero. A essa altura eu já estaria contente ate com um banho de mangueira.

Chego aos banheiros e noto que as portas possuem teclas numéricas, ou seja, preciso de uma senha de acesso.

Sao números que vão de 1 a 5.
Penso que obviamente a senha não seja tao difícil, com isso tento a combinação 1, 2, 3, 4, 5.

Sem sucesso.

Outra tentativa, 5, 4, 3, 2, 1.

Também sem sucesso.

Quase a ponto de desistir, eis que passa um senhor caminhando com seus cachorros em meio a noite escura. Faz muito frio.

Pergunto se ele sabe quem poderia aquela hora, me atender e vender-me apenas um banho.

Com um ar de perplexidade o senhor aproxima-se de mim.
Com tantas respostas negativas, pensei estar diante de mais um sonoro “ não”.

O senhor pergunta-me se o que eu quero eh apenas um banho realmente, eu respondo afirmando.

Ele, indignado diz: Você não deve pagar nada para tomar um banho!!!

Logo apos me passa a senha do banheiro e ainda deseja-me boa viagem.

Sem ainda acreditar no que estava acontecendo, agradeço-lhe quase que beijando suas mãos.

A senha era ate mais simples do que eu pensava: 3, 2, 1 e "enter".
A porta abria-se para um delicioso banho quente.

Durante todos os quinze dias em que estive em Las Vegas, esses foram os meus maiores momentos de prazer: 3, 2, 1 e sentia-me renovado.

A primeira vista era apenas um simples banho, mas para quem ha muito tempo não via um, era um momento de raro prazer. Principalmente por ser quente, afinal nas semanas em que passei em Los Angeles os banhos eram diários, porem frios, muito frios por sinal, pois tomava-os nas duchas das praias.
No inverno, nas praias de LA faz muito frio e a água do mar e das duchas são simplesmente congelantes.

Depois de três ou quatro dias na cidade, lutando sem sucesso para tentar ganhar dinheiro pelo menos suficientes para comer e abastecer o carro, decido entrar num cassino para conhecer.

Era o mesmo cassino colado ao RV Park onde passei a tomar banho.

Percorro as inúmeras maquinas caca-níquel, mesas de poker, blackjack e outros tantos jogos que eu nem sei o nome.


O cenário realmente eh tentador.

Tudo se faz para dar conforto aos clientes e incentivar a jogatina.

Para quem esta apostando, as bebidas por vezes são de graça ou quando muito, apenas um dólar.

Decido arriscar a sorte.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

(pag 29)

Ao final do primeiro dia de trabalho, e ja com alguns dólares no bolso, decidi que era hora de procurar um local para banho, afinal a essa altura meu ultimo banho tinha sido em Los Angeles, a incríveis sete dias atras.

A primeira vista sete dias sem banho parecem assustar, e de fato assustam mesmo, mas as cidades por onde passei me favoreceram de certa forma a ficar menos insuportável a sensação da falta de banho, afinal Los Angeles era muito seco, quase nao se transpira no inverno; San Francisco, devido a chuva, eu quase nao sai do carro; Lake Tahoe estava nevando tanto que mesmo se tivesse um chuveiro para tomar banho, acho que nao seria a melhor ideia, e por fim quando cheguei em Los Angeles era de noite e no dia seguinte tinha que priorizar o trabalho para ter dinheiro para o banho.

Mas obviamente que durante esse período eu realizava todos os dias a higiene pessoal com lenços umedecidos e toalhas. Quase um banho de recen-nascido.

Mesmo com este tipo de "banho" cheguei a encontrar americanos, que obviamente nao estavam morando em seus carros, com aspecto muito mais sujo que o meu.

Ja com certo dinheiro no bolso, rodei boa parte de Las Vegas procurando um local para o banho decente.

Certa hora encontrei um motel.
Diferente do Brasil, os motéis nos EUA sao locais para um simples pernoite. Nada tem a ver com fornicação ou coisas do gênero.


O motel era ruim, dos piores possíveis, mas a minha escolha foi justamente essa para que o argumento do pagamento de um simples banho pudesse valer mais.

O funcionário que me atende diz que o pernoite sao (incríveis) quarenta dólares. Isso por si so ja era um insulto, visto a qualidade da espelunca.

Perguntei se era possível tomar apenas um banho, pois estava fazendo um tour ao redor dos EUA e ja nao tomava banho ha sete dias, tudo para tentar sensibilizar o inabalável homem.

Ele, com a frieza de um esquimó me responde que sim, por quarenta dólares.

Insisto em explicar que nao vou dormir ou sequer sentar-me na cama, seria apenas um banho e nada mais, nem precisaria de toalha, soh queria alguns litros de água quente.

O homem de gelo sorri de canto de boca, espreme os olhos e responde: ok, quarenta dólares.

Mais uma vez tento colocar amor, ou dinheiro mesmo, no coração do rapaz.

Digo que ninguém precisa ficar sabendo e que pago direto pra ele. O famoso caixa dois do Brasil.

Por um segundo consigo acessar o interior gelado do rapaz que ate pergunta quanto eu pagaria por isso.

Com certa esperança de ja ter o negocio fechado, chuto um valor alto (pra mim).
Digo-lhe: dez dólares!

Mais uma vez o assustador sorriso de canto de boca reaparece, dessa vez acompanhado por um ecoante: NAO!

A minha vontade era pular o balcão e pegar o rapaz pelo pescoço, porem se assim o fizesse, com certeza ficaria muito mais de sete dias sem banho, dessa vez na prisão.

domingo, 12 de junho de 2011

(pag 28)

Ja passa de uma hora da madrugada quando entro na primeira cidade depois de mais de 200 milhas.

O medo era de a essa hora o posto de combustíveis ja estar fechado, porem toda a torcida e pensamento positivo acho que ajudaram.

Encontro um posto exatamente da marca que eu precisava, afinal a essa altura meu dinheiro ja estava quase esgotado eu tinha apenas um gift card (uma especie de voucher de compras) que havia ganhado de natal do meu grande amigo de Los Angeles.

Ufa, problema resolvido e caminho a seguir.

Cerca de uma hora e meia de Las Vegas ja e possível avistar as luzes da cidade a noite.

Dizem alias que e possível ver essas luzes ate do espaço. Eu nao sei, afinal ainda nao fui para o espaço, mas confesso que ver as luzes de uma cidade a cerca de uma hora e meia foi divino.

Creio que Vegas e uma das poucas cidade do mundo que seja indicado voce chegar a noite.
Sao luzes e neons por todos os cantos.

Ja passam das 4 horas da manha e o cansaço bate. Era hora de encontrar algum lugar para passar a noite.

Mais uma vez a opção vem a ser o estacionamento de um supermercado. Dessa vez encontrado com mais facilidade.

No dia seguinte, nao tenho escolha. O instinto de sobrevivência fala mais alto e antes mesmo de conhecer a cidade ja estava procurando lojas para lavar as vitrines e conseguir algum dinheiro.


Acredito que Las Vegas tenha sido uma das cidades mais atingidas com a crise econômica dos EUA, afinal a cidade gira em torno do cassinos e do dinheiro "facil". Como em época de crise o dinheiro sumiu das maos dos americanos, consequentemente eles sumiram de Vegas.

Percorro muitos malls (shoppings) praticamente abandonados.
70% das lojas estao fechadas. A imagem eh desoladora.

Isso para mim, mais uma vez, se torna um problema afinal tenho que percorrer grandes distancias para conseguir um ou outro trabalho.

Apesar do grande fluxo de dinheiro que circulam nos cassinos, o custo de vida em Vegas eh baixo, com isso as lojas onde eu ganhava X em Los Angeles, em Las Vegas eu passo a ganhar ½ X.